Muitas pessoas questionam a sustentabilidade do uso da madeira em construções e confecções de produtos devido ao desmatamento. Aqui expomos o porque o uso desse material deve ser incentivado obviamente seguido de boas práticas.
Os questionamentos feitos sobre a sustentabilidade no uso da madeira muitas vezes se apoiam em notícias e números do desmatamento da Amazônia, a principal fonte do material no Brasil, porém esses dados podem estar sendo lidos de maneira equivocada e talvez sem o apoio de estudos com maior profundidade.
Num mundo em que o crescimento populacional é exponencial, estima-se que atingiremos 9,5 bi de habitantes por volta do ano de 2050, sendo 70% em cidades e áreas urbanas. Isso irá requerer das nossas cidades um crescimento enorme em número de habitações, para isso o uso da madeira se tornará essencial, como veremos mais pra frente nesse post, uma vez que o concreto é um dos materiais que mais colabora para a emissão global de CO2. O uso da madeira não é algo novo, muito pelo contrário, mas o material foi sendo substituído por cimento e concreto nas construções e por plásticos na confecção de pequenos objetos.
É importante analisar primeiramente o impacto da madeira atualmente no contexto brasileiro, para isso recorremos à um artigo do pesquisador do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Leonardo Bona. Segundo Bona, nossa principal fonte da madeira foi transferida da Mata Atlântica, um bioma mais perto das grandes metrópoles, pela devastação da área e foi transferida para a Amazônia. Para se ter uma ideia da importância atual da extração de produtos florestais, estes equivalem a 1% do PIB Global, e 3% dos negócios mundiais. Uma quantia enorme!
Porém (ahh porém), cerca de 40% de toda a extração da madeira mundial é direcionada a produção de energia (mesmo com tantas alternativas renováveis e limpas), e os outros 60% para a indústria, dentre elas: moveleira, construção civil, e celulose. Esses dados são uma média mundial, como descreve o artigo "The economics of illegal logging and associated trade", deve-se portanto distinguir as diferenças entre as áreas afetadas. De acordo com o artigo, vale lembrar escrito no ano de 2007, nas áreas de florestas tropicais como o Brasil, 80% da extração da madeira pode ser direcionada para obtenção de energia. Esses sim dados assustadores.
Outro dado a que devemos refletir é a quantidade de matéria prima disponível a ser usada no Brasil. Estima-se que na flora brasileira, a mais rica do mundo, tenhamos uma variedade de 32804 espécies de árvores gimnosperma com capacidade de fornecimento de madeira de qualidade para uso industrial. De todo esse montante usamos apenas 350 espécies, as quais ficam sobrecarregadas e sem capacidade de regeneração natural.
A importância do uso responsável
Para suprir a crescente demanda dos produtos florestais devido ao aumento populacional devemos garantir que a exploração seja feita de forma sustentável, ou seja, que a floresta possa naturalmente se regenerar quando extraída uma árvore. Sobre isso o IBAMA define “a administração da floresta para a obtenção de benefícios econômicos e sociais, respeitando-se os mecanismos de sustentação do ecossistema objeto do manejo”.
Uma área de manejo sustentável funciona da seguinte maneira: primeiro a área é concedida a uma empresa ou organização para a exploração. Dessa área são excluídas partes como reservas indígenas, áreas de mineração, e outras áreas onde a exploração não será permitida. O restante da floresta é dividida em áreas de manejo de x hectares, onde é feito um inventário florestal, ou seja, todas as árvores serão catalogadas e postas em um mapa, sendo que árvores em perigo de extinção (pode-se ver as espécies aqui) ou árvores de alturas maiores que o normal não poderão ser abatidas. Com o catálogo pronto explora-se uma área por ano, retornando a primeira área explorada somente após todas as outras terem sido (cerca de 25 a 35 anos depois), dando tempo para a floresta se regenerar naturalmente.
Por isso quando se compra madeira, ou algum material derivado dela, deve-se entender e procurar saber de onde é extraída a matéria prima, quais as condições do estabelecimento, se ela vem de manejo sustentável ou se ela vem de replantio. Para que o consumidor consiga ter essas informações sem ter que pesquisar todas em diversos lugares, que na maioria das vezes é muito difícil de achar, existem os selos como o FSC e o documentos de origem como o DOF (Documento de Origem Florestal).
É importante dizer também que o DOF nem sempre é garantia de um manejo sustentável, e sim um documento sobre a origem da madeira que muitas vezes é fraudada e que por erro de identificação da espécie, madeiras em extinção são comercializadas de forma legal no Brasil. Por isso vale a pena procurar por empresas com certificações internacionais, como a FSC.
Madeira na construção civil
Com um manejo florestal sustentável a demanda pelo uso da madeira pode atingir um mercado ainda pouco explorado pelo material, ou menos explorado do que deveria, a construção civil. A madeira já é usada na área para estruturas de telhado de casas, algumas estruturas menores, porém existe um movimento grande para que se utilize o material como forma de grandes estruturas, em grandes empreendimentos.
O uso dessa matéria prima traz enormes vantagens quando comparado ao que usamos hoje, basicamente concreto, cimento e aço. Em primeiro lugar, devemos dizer que a madeira usada nesse tipo de construção é uma madeira engenheirada, ou seja, um material que passou por processos industriais para ter maior resistência e durabilidade.
Um dos exemplos desse material é a Madeira Laminada Cruzada, muito usado em outros países para a construção de grandes estruturas. Entre os benefícios desse tipo de podemos dizer que: o produto gera redução de prazos e custos (uma vez que vem em tamanhos pré definidos da indústria bastando encaixá-los na obra), reduz a quantidade de resíduos, melhora o desempenho térmico do edifício, além de promover economia em fundações e revestimentos, já que pode ficar aparente. Além disso tudo o material proveniente da madeira captura CO2 durante todo seu crescimento, diferente das matérias primas usadas hoje que passam por processos pesados e geram uma enorme pegada ambiental.
A CLT (Cross Laminated Timber) como é chamada em inglês vem sendo definida como o concreto do futuro por todos esses benefícios, e além disso tudo fornece a mesma resistência estrutural que o concreto armado. É um material com extremo grau de flexibilidade, tendo que ser muito deformado para quebrar, assim como materiais usados para objetos em escala menor, como o compensado e o OSB. Esses materiais se beneficiam da posição das fibras da madeira em direções opostas para ter resistência em todos os sentidos em que a força possa ser aplicada. Mesmo com tamanha resistência seu peso é bem menor que o do concreto, que em 1m3 pode ter cerca de 2,7 toneladas, enquanto o CLT tem 400kg.
Importância do Fazer Manual
Outro fator que implica na sustentabilidade do uso do material é a forma que consumimos e utilizamos nossos objetos. Hoje fomentamos uma indústria de consumo voraz com obsolescência programada, produtos de qualidade menor são postos no mercado para durarem pouco tempo, seja por falta de qualidade mecânica e estrutural ou seja por apelo estético, ou popularmente não estar na moda. Um dos grandes marceneiros e produtores de móveis do Brasil, Morito Ebine, cita em quase todas suas entrevistas e aparições uma frase emblemática nesse sentido, que traz do seu mestre Tadashi Inamoto
“A árvore leva 100 anos para crescer. Você tem que fazer um móvel que dure pelo menos esses 100 anos.”
Para isso devemos nos preocupar com o tipo de produto que consumimos, uma vez que nenhuma das grandes empresas produtoras de móveis no mundo se beneficiará com um produto centenário que só venderá uma vez para cada cliente. Valorizar empresas locais, que utilizam materiais de qualidade e processos duradouros é uma alternativa para um consumo consciente.
Outra alternativa porém é a aquisição de conhecimento produtivo para que cada pessoa possa ser independente para produzir seu próprio objeto, assim teríamos menos desperdício de material, visto que projetos seriam feitos sob demanda.
Um outro fator que daria uma maior vida útil ao móvel é a conexão entre o prosumidor (se você não sabe o que é, tem um post aqui) e o móvel produzido. Uma vez que a pessoa passa por todos os processos para a produção do objeto, ela terá aquilo materializado no final, todo seu conhecimento adquirido durante a construção, estará ali disposto de forma física e tátil para que se lembre, conte histórias e crie um elo entre produtor e produto.
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